Bastidores agitados e a aposta de Downey Jr.
O mundo do cinema vive um momento de efervescência com produções que revisitam períodos históricos conturbados, e o impacto de Oppenheimer vai muito além das salas de exibição, reverberando intensamente na vida pessoal de seu elenco estelar. Matt Damon, por exemplo, confessou que estava prestes a fazer uma pausa na carreira, mas o convite irrecusável de Christopher Nolan o trouxe de volta aos sets. Contudo, é a declaração de Robert Downey Jr. que tem roubado a cena: o ator afirmou categoricamente que este é o melhor filme em que já atuou. Tal afirmação carrega um peso enorme, vinda de quem praticamente redefiniu o Universo Cinematográfico Marvel com sua performance icônica como o Homem de Ferro.
Neste épico sobre a Segunda Guerra Mundial, deixamos de lado as armaduras tecnológicas para acompanhar a densa trajetória do físico J. Robert Oppenheimer, vivido por Cillian Murphy, na corrida pela criação da bomba atômica. Downey Jr., quase irreconhecível, assume o papel de Lewis Strauss, posicionando-se como um dos grandes rivais do protagonista. A performance promete ser um divisor de águas na carreira do ator, afastando-o da imagem de super-herói e consolidando seu talento em dramas biográficos de alta complexidade.
O Brasil de 1977 sob o olhar de Kleber Mendonça Filho
Enquanto Hollywood explora os dilemas da era nuclear, o cinema nacional volta seus olhos para a ditadura militar com uma abordagem singular em O Agente Secreto. O novo longa de Kleber Mendonça Filho, ambientado majoritariamente em 1977, foge dos clichês dos corredores do poder em Brasília para focar na vida que pulsa sob o sol e a poeira. O filme traz Wagner Moura em uma atuação melancólica e brilhante como Marcelo, um ex-professor universitário que busca refúgio no Recife, capital pernambucana, fugindo de sombras ameaçadoras. A narrativa, escrita e dirigida por Mendonça Filho, evita o tom puramente soçobro e encontra espaço para o riso em meio ao terror, uma característica marcante de sua filmografia que já nos deu obras como Aquarius e Retratos Fantasmas.
Ao chegar à cidade litorânea, Marcelo tenta reconstruir sua vida carregando o luto pela morte trágica de sua esposa, Fátima, interpretada por Alice Carvalho. Seu elo mais forte com o futuro parece ser o filho pequeno, Fernando, que vive com os avós maternos. A trama circula pela rotina de Marcelo e suas novas alianças, como a conexão imediata com Dona Sebastiana, vivida por Tânia Maria. Descrita como uma mulher miúda com voz rouca de quem não dispensa cigarros sem filtro e uísque, ela se torna o ponto de contato para outros refugiados políticos no prédio, transformando o local em um núcleo vibrante de resistência e convivência, apesar da ansiedade constante gerada pela condição de fugitivos.
Entre o Carnaval e a repressão
O que torna O Agente Secreto uma obra de destaque é a capacidade de Mendonça Filho de capturar a dualidade da experiência brasileira. O filme não ignora a violência; pelo contrário, a morte ronda a narrativa desde o início, muitas vezes entrelaçada a um humor surpreendente. Uma das cenas iniciais, filmada em tela ampla, mostra Marcelo chegando a um posto de gasolina rural em seu Fusca, onde a câmera revela, com um enquadramento sutil, o corpo de um suposto ladrão coberto por papelão, com os pés sujos à mostra. É o tipo de “carnaval em face da carnificina” que define o tom da produção.
A ditadura, onipresente, é apresentada com uma subavaliação astuta, descrita no início como “um período de grandes travessuras”, mas vivida na pele pelos personagens. Marcelo passa a trabalhar em um escritório estatal de identificação, um ambiente sem alegria adornado com retratos do presidente Ernesto Geisel. Em meio a manchetes de jornal sobre debates democráticos que ele mal precisa ler para entender — pois vive aquela realidade na pele —, o filme destaca que a vida continua. As pessoas celebram o Carnaval descalças, dançam e bebem, criando uma força vital que serve como uma afronta às forças assassinas que operam nos bastidores, provando que, mesmo nos tempos mais sombrios, o medo divide espaço com momentos genuínos de felicidade e resistência.